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    Entre a ciência e a tradição

    Formação apoiada pela Dasa soma conhecimentos médicos ao saber tradicional de parteiras no Pará

    Por Lívia InácioPublicado em 15/08/2022, às 17:21 - Atualizado em 25/05/2023, às 14:53
    Foto: Shutterstock

    Maria Leão Saraiva já perdeu as contas de quantas crianças ajudou a trazer ao mundo. A parteira de 47 anos, que está na missão desde os 22, parou de contar há um bom tempo, mas sabe que foram dezenas e se lembra de cada história.

    A primeira foi do parto da irmã, que às vésperas de parir começou a sentir dores nas pernas. Ambas moravam na região de Breves, no Pará, em uma comunidade distante de hospitais e pronto-socorros. Por isso, pegaram um barco e correram para a cidade. Só que a criança acabou nascendo no meio do caminho e Saraiva precisou fazer o parto.

    Ao voltar para casa, viu que a prima, grávida, sofria o mesmo que a irmã. Então, foi pesquisar como os nascimentos funcionavam. Depois de ajudar a parente a ter bebê, outras mulheres passaram a buscar sua ajuda. “E ali eu aceitei meu dom”, diz a paraense, que é também técnica de enfermagem, além de manter um pequeno estabelecimento comercial.

    A parteira é uma das 60 mil que atuam hoje no país aplicando conhecimentos tradicionais – aqueles passados de geração em geração. Juntas, elas realizam mais de 450 mil partos por ano, a maioria nas regiões Norte e Nordeste, onde se concentram mais da metade delas.

    Mas não há uma lei que regulamente a atividade, embora exista um projeto na Câmara dos Deputados desde 2019 para mudar a situação. O problema não só mantém invisível uma tradição importante, como também dificulta o repasse de ferramentas e atualizações do Estado para essas mulheres.

    Nasce um projeto

    Foto: Arquivo Rede Mondó

    Foi pensando nesses limites que a Rede Mondó, mantida pela Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e que fomenta o desenvolvimento do Arquipélago do Marajó, no Pará, lançou um curso para aprimorar o conhecimento de 80 parteiras com o que existe de mais atual no campo das ciências biomédicas. As aulas também foram dirigidas a técnicos de enfermagem rurais.

    A ideia foi encabeçada por especialistas em saúde do centro de formação de profissionais e funcionários da Dasa, a Universidade Dasa. O treinamento aconteceu em 28 e 29 de julho em um espaço cedido pela Secretaria de Saúde de Breves, que recebeu o projeto na cidade e ofereceu alojamento para mulheres de vários cantos do arquipélago. O treinamento foi transmitido online em um datashow, mas havia também profissionais in loco, que aplicavam vivências presenciais.

    No dia 28, uma equipe de enfermagem falou sobre Primeiro Socorros e Parada Cardiorrespiratória. Dulcelea Alessi, gerente de cidadania corporativa da Dasa, explica que, naquela região, as parteiras são figuras de referência da população quando se fala em saúde, não se restringindo apenas aos cuidados com crianças e gestantes. Isso torna ainda mais importante um sólido aprendizado em urgência e emergência.

    “Elas costumam ser acionadas até em casos de engasgo, pressão baixa. Então precisam saber o que conseguem fazer e em que momento a hospitalização é indispensável”, diz a médica.

    A enfermeira Evelyn Carla Borsari Maurício, que é pós-graduada em urgência e emergência e contribuiu com a formação, relata que já durante o curso conseguiu notar a relevância do que era ensinado.

    “Uma das alunas contou que há alguns dias tinha machucado a mão e se desesperado com a intensidade do corte. Ela agradeceu a gente e disse que se soubesse tudo aquilo que estávamos explicando não teria ficado tão preocupada na hora”, diz.

    A especialista também destaca que a experiência foi igualmente rica para enfermeiros e médicos envolvidos no projeto. “Aprendi muito ao ver o quanto elas trabalham, mesmo com poucos recursos”.

    Unindo a ciência ao saber popular

    Foto: Arquivo Rede Mondó

    O segundo dia foi sobre parto e gestação. O treinamento contou com a participação de três obstetras e uma clínica geral. Em muitas comunidades do arquipélago, o transporte até postos de saúde é difícil e boa parte das gestantes passa toda a gravidez sem ter ido ao médico.

    “Esse é um complicador porque a falta do pré-natal pode levar a gestações de risco. Não por acaso, os índices de mortalidade em partos na região é altíssimo”, diz a médica Roksanny Carneiro Carrijo, que atende em Breves e contribuiu com o curso de modo presencial, discutindo casos com as parteiras.

    Em meio a esse impasse, o cuidado com as mães frequentemente fica nas mãos das parteiras. Por isso, no dia 29, as médicas obstetras abordaram tópicos como capacitação em pré-natal, gestação de risco, diabetes gestacional e distócias, imprevistos que podem interferir no bom andamento do parto.

    Durante as aulas, as alunas aprendem mais sobre como se mede uma barriga de grávida, como se identifica uma gestante que não pode ficar sem ir ao médico e como se detecta uma eclâmpsia e uma pré-eclâmpsia.

    Saraiva ficou sabendo do curso por meio da Associação de Parteiras Tradicionais, da qual faz parte. A entidade não só apoiou a iniciativa como também ajudou na divulgação. E apesar de nunca ter presenciado a morte de uma criança em toda a sua carreira, a profissional conta ter aprendido coisas que podem aprimorar ainda mais sua prática daqui para frente. “Eu não sabia, por exemplo, que o descolamento de placenta antes do parto poderia levar a óbitos”.

    A parteira finaliza dizendo que um dos problemas mais enfrentados pela categoria é o baixo suporte com os materiais a serem usados nos procedimentos. “Falta o básico para trabalhar”, ela lamenta. Assim, o último passo dessa ação é a distribuição de “kits parteira”, que incluem bacia, tesoura e lanterna de testa e começaram a ser entregues em 9 de agosto. “Esperamos fazer de tudo para aumentar os começos felizes e erradicar os finais trágicos”, diz Alessi.

    Sobre o Arquipélago do Marajó

    Com 50 mil quilômetros quadrados e 16 municípios, o Arquipélago do Marajó, no Pará, é o maior conjunto de ilhas fluviais e marítimas do planeta. Mas, apesar de suas riquezas naturais, possui o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, enfrentando problemas que vão do baixo acesso a meios de transporte à falta de saneamento básico. Há cidades, por exemplo, em que mais de 50% da população não possuem rede de esgoto.

    A maior cidade da região é Breves, com aproximadamente 100 mil habitantes, e foi escolhida pela rede Mondó para sediar ações como o treinamento de parteiras tradicionais que aconteceu em junho. Além de contribuir com a saúde, o projeto filantrópico também atua nos eixos: educação, moradia e geração de renda. Aqui, você conhece melhor a proposta.

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